"É preciso vocação para ser um Pai Natal"
Perfuma a barba com água de colónia de bebé e dá os últimos retoques nas sobrancelhas e no cabelo grisalho. O Pai Natal está prestes a entrar em cena e Severino Moreira sabe que os pormenores são essenciais para encarnar a personagem que continua a encantar miúdos e adultos nesta época natalícia. Este bancário reformado, avô de dois netos, é um dos mais procurados entre as dezenas e dezenas de pais natais do País, que podem ganhar de 50 a 400 euros por dia de trabalho.
Severino não tem mãos a medir. Ocupa o trono do Centro Colombo, em Lisboa, no mês de Dezembro, distribui presentes no bairro e anima a consoada da família. Uma paixão com mais de dez anos que trouxe novo alento à vida do reformado, que em criança também acreditava que os presentes chegavam num trenó da Lapónia.
Para encarnar a personagem, começa a preparar-se em Junho, deixando crescer a barba e pensando no novo adereço para juntar à já elaborada indumentária, feita à medida numa modista e paga por si. "Sou pior que uma noiva. Levo uma hora a arranjar- -me", diz, pondo laca no cabelo.
Os olhos azuis, a face rosada, a voz meiga e a barba verdadeira fazem dele um dos pais natais mais genuínos de Lisboa. Os 61 anos e a sensibilidade para interagir com as crianças são outros atributos preciosos, explica a agência Extra-A, que anualmente trabalha com cerca de 25 pais natais, entre eles Severino Moreira.
Por isso, é para estar nos centros comerciais que são recrutados os senhores mais velhos, já com ar de avô, e de preferência um pouco de barriga. O recrutamento começa pelos jornais, passa de boca em boca e mantém-se se a personagem for bem encarnada.
Da boca dos mais novos, Severino já ouviu todo o tipo de pedidos: desde o último grito da moda dos brinquedos ao irmão que já vem com nome, até um para que o pai não bata na mãe. "As crianças sentem-se à vontade, confiam e desabafam", relata, sublinhando que para ser Pai Natal não basta vestir o fato. "É preciso vocação e saber amaciar os corações. Quantas vezes não ando de lagriminha no olho", confessa.
Quando lhe pedem telemóveis ou dinheiro, entristece-se e dá a volta ao assunto. "Respondo que só tenho prendas para dar com amor", diz, frisando o espírito natalício. Em tempo de crise, também já lhe pediram flores. Foi uma menina que, citando a mãe, explicou que quando não se tem dinheiro pode-se sempre dar uma flor. As centenas de histórias, tristes e alegres, estão reunidas em livro.
No trono do Centro Colombo, recebe por época, e há dez anos, milhares de crianças que vêm conversar e tirar fotografias com o senhor de barbas e fato encarnado. "Lamentam não me ter visto em casa mesmo tendo deixado leite e bolachas ou dizem que não lhes dei o que pediram. Muitas querem só sentar-se aqui porque represento o sonho do Natal."
A sua credibilidade passa pela indumentária e a postura. Severino retoca a barba com spray branco, capricha em adereços como o bastão ou o saco dos correios e o seu oh oh oh soa mesmo a Pai Natal. O sorriso ajuda à expressão e a experiência no teatro credibiliza os gestos. "Isto da alegria é algo muito sério. E para podermos dá-la temos de a ter primeiro e de saber estimular a personagem", explica.
Mas nem todos os pais natais são homens de barba feita. Se o propósito for promover uma marca ou produto na rua, o papel pode ser representado por um jovem estudante mascarado com fato barato e barba de algodão, a troco de 50 a 75 euros